Histórico

Origens

Para dizermos algumas coisas sobre a história da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos da cidade de Goiás, devemos nos reportar aos idos de 1770, acompanhando o registro do historiador JOÃO DA COSTA OLIVEIRA, que assim diz:

A Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos foi criada pelo padre JOÃO PERESTELLO DE VASCONCELLOS ESPINOLLA em 1745”.
A partir de farta documentação, é possível confirmar que o Padre Perestello, de nacionalidade espanhola (da cidade de Sevilha), esteve mesmo por Goiás em meados do século XVIII.

Parece-nos que, com a criação da Irmandade dos Passos, este sacerdote introduziu as festividades alusivas ao Senhor dos Passos e a Nossa Senhora das Dores e deu maior ênfase à própria Semana Santa, quando aparece a menção ao seu nome registrada documentalmente pelo primeira vez através do seguinte dado histórico, mencionado por vários historiadores de Goiás como ALENCASTRE, CUNHA MATOS e SILVA E SOUZA:
Em 1743 a Matriz de Sant´Ana estando com algumas de suas paredes de taipa com grande fendas, ameaçando a cair, foi demolida e depois levantada sob a orientação do padre Dr. João Perestello de Vasconcelos Espinola tendo funcionado para a Semana Santa de 1745”.
Vejam que neste dado histórico, aparecem dois momentos importantes: a confirmação da pessoa do padre na direção da Igreja em Goiás e que a Semana Santa já era comemorada em 1745.

Em seguida vem reforçar estes dados um registro existente nos arquivos da Casa de Câmara de Goiás relativo a um conflito de jurisdição havido entre o Provedor da Irmandade (e também o Ouvidor da Capitania), o Sr. Manoel Antunes da Fonseca, e o Vigário da Vara e Matriz, padre Perestello, em que o primeiro, através de petição, solicitava permissão para expor o Santíssimo Sacramento por ocasião da festa da Invenção da Santa Cruz, no altar do Senhor dos Passos na Matriz, onde a Irmandade tinha a sua sede. Tal petição é datada de 23 de abril de 1749.

O Vigário responde que seria dada a permissão para expor o Santíssimo, não no altar do Senhor dos Passos, mas na tribuna do Altar Mor. Este fato traz o seu desfecho após uma longa perlenga. Mas ele nos mostra em seu bojo, mais duas referências importantes. Primeiro que a Irmandade já existia com o seu Provedor; e também que a Imagem do nosso Padroeiro, já se encontrava aqui para o culto dos Irmãos e devotos.

A imagem do padroeiro: Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos

Em 1870, novamente a Matriz fica em ruínas e a sede da Irmandade e seu padroeiro perambulam por várias capelas, como a particular de Nossa Senhora da Conceição, da Boa Morte e, finalmente, vão para a Igreja de São Francisco de Paula, ali permanecendo até hoje.

Sobre a imagem de nosso padroeiro, conta a tradição oral que ela veio da Bahia para cá, em ombros de escravos, não se podendo precisar a data, pela falta de documentação, porém podemos afirmar que, em 1749, ela já estava entre nós, conforme citação feita no conflito de jurisdição anteriormente mencionado.

Também sabemos que, por volta de 1850 a 1860, quando o artista goiano JOSÉ JOAQUIM DA VEIGA VALLE (1806-1874) trabalhava em Vila Boa, consta que ele fez uma restauração na peça, colocando-lhe articulações nos braços e pernas, olhos de vidro, deu maior expressão na face e aplicou-lhe nova pintura de carnação, com a qual a imagem está até hoje. Vale lembrar que Veiga Valle também era membro da Irmandade, tendo assinado termo de compromisso em 30 de março de 1862.

Os Motetos dos Passos

Para as cerimônias da Semana de Passos e das Dores, o maestro e compositor BASÍLIO MARTINS BRAGA SERRADOURADA (1809-1874) fez os Motetos dos Passos e das Dores. Os primeiros, dedicados ao Senhor dos Passos, datados de 04 de agosto de 1855, foram cantados pela primeira vez na Matriz de Sant´Ana em 07 de março de 1856. Os Motetos das Dores foram cantados pela primeira vez em 10 de abril de 1856 na Igreja da Boa Morte. Tratam-se de composições para quatro vozes e acompanhamento para pequena orquestra de sopro e cordas e que ainda são executados por ocasião destas festividades. As letras fazem alusão a trechos bíblicos sobre a paixão de Cristo, selecionados pelo filho do compositor, o cônego JOSÉ IRIA XAVIER SERRADOURADA (1831-1898).

1-Adoremos
2-Pater
3-Bajulans
4-Exeamus

5-Angaria
6-Ó Vós Ommes
7-Filae
8-Domine
9-Salvator-Mundi



As celebrações religiosas

As procissões próprias da Semana dos Passos e da Semana Santa são tradicionalmente celebradas, seguidas e acompanhadas pela comunidade com muita fé e respeito.

Em tais comemorações surge a figura do FARRICOCO, apenas um elemento que era pago por tal representação nos cortejos processionais destas festividades. Tal figura parece ser originária da Espanha, como se observa até hoje quando das festividades da Semana Santa em Sevilha, Málaga, Madrid, Salamanca e Bilbao.

Nos registros da Irmandade, foram encontradas as rubricas “Pagamento ao Farricoco” ou “Gratificação ao Farricoco” nas despesas nos anos de 1840, 1841, 1843 a 1846, 1851 a 1854, 1870, 1871, 1875, 1876 e 1878.

A primeira referência, encontrada até o presente momento, que se aproxima da imagem de um farricoco na cidade de Goiás consiste na descrição de JOHANN EMMANUEL POHL (Viagem no interior do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1951. v. 1, p. 332-333), quando descreveu a Procissão de Passos em 19 de abril de 1820:
Já antes, em 19 de abril, eu assistira a uma festa igualmente pertencente á Semana Santa, a procissão do Senhor dos Passos. (...) Às cinco horas da tarde houve sermão e finalmente começou a procissão, que seguiu para a matriz, atravessando todas as ruas da cidade. Centenas de pessoas, mulatos e negros, escravos na maior parte, abriam o cortejo, fazendo exercícios de penitência que lhes haviam sido impostos na confissão. Tinham a parte inferior do tronco envolta num vestido de mulher, o rosto escondido por um pano (...). Muitos se flagelavam, mas isso parecia antes ostentação, pois se açoitavam tão cautelosamente e lentamente que não se podia notar grande efeito. (...) Seguia-se um homem embuçado de preto, que de tempos em tempos tocava um longo chifre, arrancando-lhe sons cavos, abafados. (...) Seguiam-se, aos pares, à distância de três braças, os irmãos do Santíssimo com os seus mantos de seda vermelha e velas de cera”.
Conforme assinala Carlos Fernando Magalhães (Confrarias religiosas como expressão artística nos séculos XVIII e XIX nas minas dos Goyazes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, Goiânia, v. 14, jul/dez, 1998), por volta da segunda metade do século XIX a Irmandade do Santíssimo vai perdendo força, e seus irmãos são incorporados pela Irmandade dos Passos que, aos poucos, se transforma na principal irmandade de Goiás. Prova disso é que ela se torna a responsável pelas procissões da Semana Santa, de acordo com os registros em suas atas a partir de 1840.

A figura do Farricoco hoje, para a cidade de Goiás, tornou-se um símbolo por ser um dos poucos lugares que ainda preservam esta tradição.
 
Texto adaptado a partir de pesquisa realizada em 1995 pela Organização Vilaboense de Artes e Tradições, sob a coordenação do historiador ELDER CAMARGO DE PASSOS.